"Os Guarda-Chuvas Cintilantes" de Teolinda Gersão: um risco no tempo

Palavras-chave: diário, fantástico, géneros literários, literatura experimental

Resumo

O diário Os Guarda-Chuvas Cintilantes de Teolinda Gersão é um texto de natureza híbrida que nos estimula a reconsiderar a questão teórica dos géneros literários. Apresentado como diário no subtítulo, expõe uma escrita experimental e revolucionária que questiona a tradição dos géneros e o registo intimista. Sendo uma reflexão especulativa da escrita sobre ela própria, desvenda a própria ambiguidade do género diário e desafia fronteiras conhecidas ao assumir a crise das formas na literatura atual. Através do lúdico, do surreal e do fantástico e também de um narrador instável inominado, este texto nega o traço individualizante próprio da escrita diarística, assim alargando as possibilidades impostas pelas convenções e iludindo o controlo da interpretação. Teolinda Gersão, tal como Gide, prefere a incoerência à ordem que deforma e a estética fragmentária do fragmento que este texto adota é uma estratégia para escrever subjetivamente, evitando as armadilhas de um imaginário e de uma pretensa transmissão da veracidade do eu. Deste modo o fragmento coaduna-se bem com a arquitetura polifónica, contrariando a tendência dos diários de se centrarem numa única voz. Consideram-se alguns momentos de inflexão na tradição do diário, nomeadamente francesa, anglo-saxónica e de expressão portuguesa para concluir que o Diário de Teolinda Gersão ocupa um lugar à parte em que são dissolvidas as noções de verdade e sujeito do discurso e em que o absurdo se intrica na desmontagem crítica do quotidiano burguês. Pelo seu caráter experimental e contestatário, este texto é um desafio para o leitor.

Publicado
2023-10-28