Onde se irão meter os lagartos? Uma abordagem ecológica de "As Pequenas Memórias"
Resumo
A Carta Universal de Deveres e Obrigações dos Seres Humanos confere aos direitos humanos uma nova abordagem, posicionando-os, não no ponto de vista do sujeito individual, o eu, mas no ponto de vista do outro, de todos os outros, humanos e ecossistemas naturais que devemos ter em atenção e cuidar.
Este descentramento do sujeito de direitos é acompanhado por uma valorização do mundo sensível e natural.
No livro autobiográfico As pequenas memórias, o menino e jovem Zé encontra, através do contacto direto e afetivo do seu corpo, o mundo das coisas pequenas da natureza, constituído por experiências, histórias e realidades vivas e significativas que têm lugar especialmente em Azinhaga, sua aldeia de nascimento.
Este mundo forma um ecossistema de imagens, cheiros, e sensações que molda o imaginário literário de toda a obra de Saramago e, nele, este menino reconhece-se parte da natureza, descrita como rede de vida interdependente e em equilíbrio: “A criança, durante o tempo que o foi, estava simplesmente na paisagem, fazia parte dela”.
Atualmente a paisagem de Azinhaga mudou porque alguns dos seus habitantes arrancaram os velhos olivais para cultivo extensivo de oliveira mais lucrativo.
Plantam-se oliveiras que crescem mais depressa e que “por muitos anos que vivam, serão sempre pequenas” para facilitar a colheita da azeitona que embaratece o trabalho e o produto, proporcionando maior lucro.
O rompimento da ligação ancestral à natureza provoca naquela gente arrependimento, levando-a a chorar o “azeite derramado”, mas inutilmente porque a terra transformou-se irreversivelmente.
Neste cenário de instrumentalização e exploração da terra, reduzida a simples matéria-prima - alimentos e energia - ou mercadoria, para servir o poder supremo do mercado económico, Saramago deixa aberta a pergunta, “O que não sei é onde se irão meter os lagartos”.
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